sábado, 17 de setembro de 2011

JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE NO RIO DE JANEIRO (A PARTIR DA JMJ DE MADRID)


JORNADA MUNDIAL DA JUVENTUDE NO RIO DE JANEIRO (A PARTIR DA JMJ DE MADRID)

Reflexões piedosas e atrevidas para quem pensa sobre milhões de jovens reunidos por convocação da Igreja de Cristo. Não deixa de ser uma forma de sonhar...

Trata-se de uma reflexão “piedosa”:1) porque não é um estudo científico nem histórico nem teológico nem pedagógico das JMJ. 2) Se fosse histórico teria que apresentar p.ex. as motivações de João Paulo II, as assessorias pedagógicas, teológicas, pastorais e juvenis que teve para realizar a primeira e as outras, a fonte dos recursos econômicos para a realização e muitos outros aspectos. Um mega-evento supõe a participação de muitas “ciências” e “especialistas”. 3) Se fosse teológico evidente que iríamos saber quem fundamenta teologicamente a JMJ, bem como saberíamos quem não foi convidado. Quais, contudo, que foram ou não foram convidados? Claro que há “especialistas” que não são aceitos; claro que há “apoios”, que nem sempre são confessados; claro que há “objetivos” que nem sempre se dizem. 4) Se fosse pedagógico muitos aspectos poderiam ser analisados: preparação, importância do jovem no evento, acompanhamento, fomento (ou não) do empoderamento juvenil, dimensão social e libertadora etc. Pouco falaremos dessas coisas.

Hilário Dick

1. Não estive em Madri. Muitos, evidentemente, como eu, não podiam, não queriam ou não foram porque não foram convidados. A questão do “convite” é bem mais interessante do que se pensa. Aliás, os que foram (aqui do Brasil), como foram convidados? Sabemos que muita liderança boa, comprometida, merecedora de um gesto de reconhecimento por serviços prestados gratuitamente às igrejas (estou falando de jovens) teve que ver partir outros/as, escolhidos/as não se sabe por quem, e cultivar dentro de si não sei que sentimentos. Até mesmo as juventudes organizadas puderam escolher seus delegados? Poder-se-ia falar o mesmo de “assessores/as” regionais e nacionais de pastorais juvenis organizadas. Tinha gente com vontade de ir, olhar, reanimar-se, ver o certo e o errado, mas não foram convidados/as. Ver jovens reunidos sempre é uma festa.

2. Quero fazer minhas reflexões a partir de pequenas coisas da JMJ de Madrid, de 2011. Para falar de algo nem sempre precisamos ter “estado lá”. Trata-se de observar, de perceber o que acontece, o que se escreve e o que emerge em diferentes espaços. Faço imediatamente uma pergunta que me incomoda: para ajudar a “perceber” a realidade juvenil na dimensão religiosa, especialmente católica, quem dos estudiosos/as de juventude, do Brasil, foi convidado? Parece que a “juventudologia”, especialmente para algumas figuras da Igreja, é uma ciência infusa. Não se precisa estudar juventude. O amar não supõe estudo... Falo de “ciência infusa” porque o lugar da juventude na formação seminarística, nas Congregações Religiosas, em alguns Movimentos de Jovens ou que trabalham com jovens, parece ser algo inútil. Basta ser do clero para se entender de juventude; basta ser bispo para falar “ex cátedra” para a juventude. Cada vez é mais urgente o povo de Deus, no seu todo, aprender a falar sobre juventude. Se nas outras jornadas o número de bispos era baixo, desta vez, (provavelmente por Rio de Janeiro ser declarada como sede da próxima jornada), foram cerca de 60 bispos brasileiros. Não foram, provavelmente, aqueles que parecem ter que descobrir que a juventude existe, que a juventude quer ser Igreja e que poderia haver bem mais expressão juvenil nas igrejas. Esperamos que tenham ido, também, não aqueles que sempre encontram compromissos pastorais para não marcar presença em iniciativas juvenis (especialmente algumas) de sua diocese ou Regional.

João Paulo II, não há dúvida, por seu modo de ser conquistou a juventude. Deve-se perguntar, no entanto, quem o assessorou e o inspirou na maneira de realizar estas Jornadas ou Encontros. Falamos de “tema”, de “pedagogia”, de “marketing”, de escolha dos palestrantes, escolha dos cantos e tanta coisa... Por vezes são estas coisas que decidem um evento.

3. Foi com o carisma do Papa João Paulo II que as Jornadas Mundiais e os Encontros Continentais de Jovens tomaram grande impulso. Era pelos anos de 1984 e 1985. Mesmo que estas Jornadas e Encontros não tenham exercido grande influência nos encontros orgânicos da Pastoral Juvenil da América Latina, sempre foram importantes e não podem ser esquecidos. Realizaram-se, até 2010, 27 Jornadas Mundiais da Juventude (14 diocesanas, sem a presença do Papa) e 13 mundiais, com a presença do Papa: 10 de João Paulo II e 3 de Bento XVI). Seis destas Jornadas, com a presença do Papa, deram-se na Europa (Roma (2000), Santiago de Compostela (1989), Czestochowa (1991), Paris, Colônia (2005) e Madrid); dois na América do Norte (Denver, 1993 e Toronto 2002), um na América do Sul (Buenos Aires – 1987), um na Ásia (Manila 1993, com mais de 4 milhões de jovens participantes) e um na Austrália (Sidney). O Encontro Continental de Santiago (Chile) foi em 1998. É o Papa que indica os temas destas Jornadas.

4. As Jornadas Mundiais de Juventude são uma iniciativa da Igreja Católica, com sede em Roma. Uma iniciativa do Papa; não é uma atitude ecumênica. Evidente que jovens de outras religiões também estão e estiveram lá, mas a iniciativa é católica. A preocupação é com a evangelização cristã da juventude. A impressão que se tem é que se trata de uma apresentação majestosa, bombástica, suntuosa, massiva, da Igreja para a juventude. Não fica claro se é uma apresentação, uma busca da juventude para a Igreja. A impressão que se tem é que lá vai a juventude escolhida para mostrar ao mundo que os jovens são, ainda, da Igreja. Claro que é muito forte dizer que, pelo que se vê, a juventude é a massa de manobra da Igreja para conquistar jovens para ela. Claro que não é só isso. Os protagonistas, em todo o caso, não são os jovens porque os protagonistas são os atores principais. Quem está no palco são os adultos, especialmente o mundo clerical, com uniforme e tudo mais. São eles que falam. Os jovens são a platéia e, quando falam, é de forma muito controlada. Não estão na “direção”.

5. O discurso a comandar tudo, evidentemente, é Jesus Cristo. Contudo, na prática, quem toma conta do cenário é o Papa, o bispo de Roma, talvez com o carisma de João Paulo II, talvez com o peso teológico de Bento 16. Estaríamos muito errados se se falasse de “papismo”? Ou este papismo (inconsciente ou buscado) é construção dos Meios de Comunicação?

6. Impressiona a suntuosidade dos lugares centrais destes Encontros. O palco, pode-se dizer, é transformado em altar. Parecem as construções que os Meios de Comunicação constroem para os grandes artistas... Lá em cima os cardeais, bispos, mais abaixo o clero, mais longe as religiosas e, bem mais ao fundo, sempre animada, a juventude. Da palavra, o que sobra para os jovens são as migalhas, isto é, os cachorrinhos do Evangelho que estão aí para ouvir e não falar ou falar o que pode ser dito.

Haveria algum paradigma que comanda as JMJ? Os paradigmas de olhar e estudar a juventude podem ser resumidos em quatro: um segmento da sociedade que precisa de preparação; um segmento que, na sociedade, por razões as mais diversas, é um problema; um segmento que pode ser encarada como solução dos problemas da sociedade; um segmento cuja característica fundamental é a sua construção: a construção da autonomia, a descoberta do poder, o empoderamento. Por que a juventude, como protagonista, só apareceu nos tempos da Ação Católica, na década de 1930? Ao mesmo tempo em que em vários lugares do mundo as juventudes eram manipuladas por “ismos” que nem é preciso nomear. Não fica claro, nas JMJ, se se acredita que os jovens possam assumir mais responsabilidades (não meros cumprimentos de ordens) dentro do ser eclesial. Não fica claro, também, se se acredita na característica da juventude que é a construção da autonomia. Seria o outro paradigma... É este que se viu em Madrid? Por vários sintomas, o que se pode ver e concluir é que o paradigma que a Igreja deveria assumir - paradigma usado por Jesus Cristo nos Evangelhos - não está claro. Uma das razões é que se gosta, ainda, em muitas igrejas, mais de ovelhas submissas do que de cabritos monteses. Ou a JMJ de Madrid disse algo diferente?

7. As grandes avenidas do centro de Madrid, tomadas pelos “peregrinos”, isto é, pelos “jornadeiros” pareciam uma gigantesca discoteca light, com música e dança, alegria, animação, festa, mas sem álcool e – esperemos – sem “crack”... Os 27 telões retransmitiam imagens bonitas e esvoaçantes do Pontífice, acompanhadas pelo slogan da “festa da fé” e algo mais. “Molhem-se, cubram-se todos de água”, recomendavam outros alto-falantes. Havia operários com mangueiras que regavam os participantes e, espontaneamente, molhavam aqueles que assim o desejassem e os outros também. Realmente, era uma festa.

8. O Papa mostrou, no avião, sua preocupação com o desemprego juvenil (que chega a 45% na Espanha). Se falou isso do avião, falou-o em outro momento importante?Redes Cristianas, contrárias à pompa da visita, criticou o fato de que a hierarquia eclesiástica não abrisse consultas aos jovens para saber o que eles, realmente, querem na Espanha e no mundo. O que preocupa a juventude do Papa? Dez peregrinos espanhóis enumeraram, na quinta-feira, durante a espera, aqueles que consideravam os três principais problemas de sua idade. Os que mais se repetiam: a falta de valores e o relativismo. Apenas dois citaram o desemprego. E então? O perfil do peregrino era um jovem de 22 anos, universitário e com trabalho. Apenas 6%, dos que estavam lá, estavam desempregados. Esta “seleção” parece natural? Se os jovens do mundo representam mais de um hum bilhão de jovens, o que significam 2 milhões. Mas, é verdade, qual a instituição, no mundo, que é capaz de provocar um evento assim? Os dois milhões reunidos em Madrid poderiam ser os grupos de jovens, reunindo-se semanalmente, no Brasil...

9. Parece um fato que as palavras de João Paulo II aos jovens do mundo: No tengáis miedo. Abrid las puertas de par en par a Cristo, chegaram ao coração de milhões de jovens dos cinco continentes, vislumbrando no Papa um guia, um mestre, um amigo que os compreendia. O que significa, no entanto, abrir abrir as portas de par em par para Jesus Cristo? Aprendi com Jesus de Nazaré que ele pregava o “Reino” e o Reino, para os jovens da América Latina, é a Civilização do Amor. No pensamento de João Paulo II estes Encontros e Jornadas seriam para reunir-se com eles, falar-lhes e conhecer seus problemas, inquietudes e esperanças. Este, ao menos, o discurso que se ouve e que não deixa de ser um discurso ao mesmo tempo verdadeiro e enganoso. Verdadeiro porque os encontros aconteceram; enganoso porque a pedagogia dos eventos massivos não permitiu isso (e não se sabe se quiseram isso, de fato). Como seria bonito poder ver-se os desafios juvenis apresentados por eles e não por olhares clericais, por vezes moralizantes?

As JMJ já são um evento que mereceria uma análise mais profunda, mais científica, mais pastoral, mais pedagógica. Não bastam as apreciações laudatórias e fantásticas. É preciso que se penetre no subterrâneo destes eventos para ver os resultados, os rejeitados, os convidados de honra, isto é, para ver o valor e os vazios de uma “pastoral de eventos” e ver como uma “pastoral de processos” pode aprender algo destas manifestações massivas.

O que se vê é que as preocupações das JMJ se encontram em outros espaços... Que maravilha o Papa apresentar, nas JMJ, os grandes desafios que os jovens devem enfrentar e que vão muito além de uma visão umbilical e sacristíaca! Confiar a eles, os/as jovens, o futuro da humanidade, isto é, de eles serem, de fato, com a ajuda da Igreja, os construtores da civilização do amor, as sentinelas do amanhã, como os dois Papas gostam de dizer. É que João Paulo II era um encantado pela juventude, mas sabia muito bem que provocar demais poderia ter resultados inesperados talvez para a própria Igreja. Não se pode negar que João Paulo II (mais que Bento XVI) estava convencido de que a juventude tem o poder de revolucionar o mundo, de mudá-lo para faze-lo mais justo e humano, o que – para a sociedade dos adultos – seria um atrevimento.

10. Para não nos basearmos em coisas “vistas”, e analisarmos rapidamente o que foi a JMJ de Madrid, olhemos a homilia que Bento 16 fez no dia 21 de agosto de 2011 na Base /aérea de Quatro Ventos (Madrid). O que ele disse? Podemos destacar nove pontos:

  1. 1. “Meu coração enche-se de alegria” pensando no afeto com que Jesus olha para a juventude e deseja acompanhá-la no caminho. Desejamos corresponder a esta manifestação de predileção, atraídos pela figura de Cristo que queremos. Ele é a resposta a muitas de nossas inquietações pessoais e queremos conhecê-lo melhor.

O Papa está alegre. Fala de Jesus Cristo. Ele (Jesus) é a resposta de nossas inquietações, mas logo fica claro que as inquietações são pessoais. Parece falar para o jovem, e não para a juventude. Parece que os milhões não existem ou não são importantes para serem desafiados. Seria a atitude de Jesus com Pedro, ao qual se dirigiu pessoalmente, como o Papa insiste logo depois? Os jovens não só querem “conhecer” Jesus; eles querem vive-Lo e ser, como Ele, blasfemos e subversivos.

  1. 2. O Evangelho que se leu Mt 16, 13-20. Há duas formas diferentes de conhecer Cristo: pela exterioridade caracterizada. Considera-se Cristo como um personagem religioso junto aos que já são conhecidos. Depois, dirigindo-se pessoalmente aos discípulos, Jesus pergunta-lhes: «E vós, quem dizeis que Eu sou?». A fé vai mais longe que os simples dados empíricos ou históricos, e é capaz de apreender o mistério da pessoa de Cristo na sua profundidade.

Mais adiante o Papa diria: A resposta da juventude deve ser: Jesus, eu sei que Tu és o Filho de Deus que deste a tua vida por mim. Quero seguir-Te fielmente e deixar-me guiar pela tua palavra. Tu conheces-me e amas-me. Eu confio em Ti e coloco nas tuas mãos a minha vida inteira. Quero que sejas a força que me sustente, a alegria que nunca me abandone.

Veja-se a força bonita e apelativa da “interioridade”. Veja-se a força da atitude pessoal. Além disso, contudo, o jovem não poderia ser desafiado, para outras realidades, na sua vivência de fé, para que participasse de organizações e de iniciativas dentro e fora da Igreja? Certamente, mas o que parece assustar é a formação para a autonomia, o empoderamento, o protagonismo. No fundo, não se acredita na força da juventude; olha-se o jovem na sua individualidade e se teme o jovem que pensa e sabe teologia. Quer-se um jovem que não deixe de ser obediente, isto é, submisso e controlável.

A JMJ se deu numa época onde várias realidades poderiam servir de fonte de inspiração: a juventude do Oriente Médio, do Chile, da própria Espanha com mais de 46% de jovens desempregados, de todos os continentes. Jesus Cristo não desafiaria para estas diversas realidades? O que seriam para Ele, Jesus de Nazaré, as “águas mais profundas”? Não. É a dimensão individual que parece interessar, não a juventude com suas diversas problemáticas e diversos desafios a serem enfrentados. Teria sentido recordar, aqui, a ausência do “Reino de Deus” e da “Civilização do Amor”?

  1. 3. A fé, não é fruto do esforço do homem, da sua razão, mas é um dom de Deus: Tem a sua origem na iniciativa de Deus, que nos desvenda a sua intimidade e nos convida a participar da sua própria vida divina. A fé não se limita a proporcionar alguma informação sobre a identidade de Cristo, mas supõe uma relação pessoal com Ele, a adesão de toda a pessoa, com a sua inteligência, vontade e sentimentos, à manifestação que Deus faz de Si mesmo. Fé e seguimento de Cristo estão intimamente relacionados, e isso precisa ser amadurecido.

Importante o Papa recordar estes aspectos da fé. Além de ser um dom e uma conquista, a fé sem obras é morta. Não há seguimento de Jesus que não se traduza em prática. E se o Papa relacionasse fé e justiça? Fé e realidade social? Fé e situação do mundo? A juventude é o tempo do grande encontro dela com a exterioridade. Nesta “exterioridade” não se apresentam desafios?

4. A resposta da juventude deve ser: Jesus, eu sei que Tu és o Filho de Deus que deste a tua vida por mim. Quero seguir-Te fielmente e deixar-me guiar pela tua palavra. Tu conheces-me e amas-me. Eu confio em Ti e coloco nas tuas mãos a minha vida inteira. Quero que sejas a força que me sustente, a alegria que nunca me abandone.

Veja-se o discurso... Terá mais sentido a leitura que fazemos desse “personalismo” do Papa se nos dermos conta que ele, o Papa, não parece estar muito preocupado com oReino que Jesus pregava... Afinal, Bento 16 prega a Igreja ou o Reino? Se falasse do Reino, provavelmente teria que ter falado das realidades juvenis dos diversos continentes e que vão além de uma fé individual. O que se vê, por isso, é que a realidade social ou as realidades sociais da juventude são esquecidas. Compreendemos, assim, porque a palavra Reino não aparece na homilia vista (a mais importante) nem nas outras homilias ou falas. O Reino é uma realidade que não só não é usada pelo Papa quando fala aos jovens; no discurso inaugural que fez em Aparecida, na Conferência Episcopal Latino-Americana (2007), sucedeu o mesmo. Tratar-se-ia de um simples esquecimento ou de uma postura ideológica? É que falando do Reino para os bispos ou para os jovens, haveria conseqüências que parecem ser deixadas de lado porque a realidade mais concreta, de repente, deveria ser enfrentada.

5. Jesus diz a Pedro que ele é a Pedra da Igreja. Jesus constrói a Igreja sobre a rocha da fé de Pedro, que confessa a divindade de Cristo. Ela não é uma simples instituição humana, como outra qualquer, mas está intimamente unida a Deus. Não se pode separar Cristo da Igreja, tal como não se pode separar a cabeça do corpo (cf. 1 Cor 12, 12).

Evidente a forma de falar do papado, do Papa como “Pedra da Igreja”. Claro que a Igreja caminha com Cristo e é necessário estar na comunhão da Igreja. “Amai a Igreja”, dirá ele mais adiante. É falta de respeito muito grande perguntar se o pregado seguimento de Cristo é em vista da Igreja ou em vista da construção do Reino? O importante é ver a juventude toda, de joelhos, adorando Cristo presente na Eucaristia ou arregaçando as mangas, com a cruz na mão, enfrentando as questões que impedem a felicidade dos/as jovens e da sociedade?

6. Fortalecei, queridos jovens, esta fé que nos tem sido transmitida desde os apóstolos, a colocar Cristo, Filho de Deus, no centro da vossa vida. É preciso seguir Jesus na fé é caminhar com Ele na comunhão da Igreja. Quem cede à tentação de seguir «por conta sua» ou de viver a fé segundo a mentalidade individualista, corre o risco de nunca encontrar Jesus Cristo, ou de acabar seguindo uma imagem falsa d’Ele.

O assunto é a fé. A fé transmitida que é preciso viver, caminhando em comunhão com a Igreja. Mas o Papa diz mais:

7. Ter fé é apoiar-se na fé dos teus irmãos, e fazer com que a tua fé sirva também de apoio para a fé de outros. Queridos amigos, amai a Igreja, que vos gerou na fé, que vos ajudou a conhecer melhor Cristo, que vos fez descobrir a beleza do Seu amor. Significa feliz inserção nas paróquias, comunidades e movimentos, participar da Eucaristia, confessar-se e cultivar a oração e a meditação da Palavra de Deus.

Novamente o discurso do amor à Igreja porque ela vos gerou para a fé, mas uma Igreja que ainda tem medo de ir “além dela”. Poderia acrescentar que a fé para a qual ela gerou é para o mundo, o Reino, ou é para ele poder mostrar-se que os jovens estão com ela? Pode-se dizer que, infelizmente, a Igreja (nas JMJ) ainda visa demais a si mesma. Procura-se a vaidade própria e não a felicidade das juventudes.

8. Disso nascerá o impulso a dar testemunho da fé nos mais diversos ambientes, incluindo nos lugares onde prevalece a rejeição ou a indiferença. É impossível encontrar Cristo, e não O dar a conhecer aos outros. Não guardeis Cristo para vós mesmos. Comunicai aos outros a alegria da vossa fé. O mundo necessita do testemunho da vossa fé. A vossa presença aqui é uma prova maravilhosa da fecundidade do mandato de Cristo à Igreja: «Ide pelo mundo inteiro, proclamai o Evangelho a toda a criatura» (Mc 16, 15). Sede discípulos e missionários de Cristo noutras terras e países onde há multidões de jovens que aspiram a coisas maiores.

Bonito o aspecto missionário evocado para a juventude e o que o Papa diz é muito bonito. Ser jovem é ser missionário, sair de si. Além de estimular as variedades de “saídas”, os voluntariados, às doações que já são reais, será que ele diria, também, que era necessário ir além da sacristia, enfrentando as realidades da juventude no seu dia-a-dia, construindo o Reino em toda a realidade? Se a JMJ é algo dos cristãos, por que não estimular o diálogo e o encontro com outras realidades como as da Índia, da China, do Afganistão, os países mais populosos em juventude?

9. Rezo por vós, encomendo-vos à Virgem Maria, e peço-vos que rezeis pelo Papa, para que, como Sucessor de Pedro, possa continuar confirmando na fé os seus irmãos. Que todos na Igreja, cresçamos em santidade de vida e demos testemunho eficaz de que Jesus Cristo é verdadeiramente o Filho de Deus, o Salvador de todos os homens, fonte viva da esperança.

A finalidade dessa reflexão é ajudar no melhor encaminhamento da JMJ no Rio de Janeiro. Todos esperam que seja um evento bonito, sem manipulação nem teológica nem pedagógica. Todos sonhamos com um evento transparente, evangélico, que ajude a juventude a ser mais feliz.

O convite para as intenções das orações dos jovens vão para onde? Para a Virgem e para o Papa e todos nós. Nenhuma oração para a transformação do mundo, do melhor atendimento aos anseios da juventude, às fomes que existem na juventude etc.

Claro que o discurso é do Papa e poderia te-lo feito em outras palavras. Mas o discurso não deixa de sintomático: intra-eclesial, pessoal, sem a perspectiva do Reino... Por que a juventude não poderia ser convocada a não só pertencer à Igreja, mas serem construtores dela? Construtores dela e do Reino do qual a Igreja é sacramento? Por que não apelar para que a juventude do mundo se una, se organize, discuta seus problemas e apresente soluções juvenis, aproveitando o momento das Jornadas?

11. Não entendo de mega-eventos, mas nos anos que precedem a JMJ precisam ser pensadas algumas coisas. Não falo, por exemplo, das finanças, para as quais, evidentemente, deverá ter gente competente e que saiba considerar o público ao qual a JMJ se dedica. Há questões de fundo: a questão central é na forma como se olha o próprio mundo juvenil e isso implica pedagogias e teologias.

a) apesar de ser uma iniciativa da Igreja de Roma, colaborar para que o jovem seja sujeito do evento. Num eventos de milhões, é evidente que sempre haverá movimentações. Movimentações para que, no entanto? O que havia para ver, ouvir, talvez participar? Shows de jovens, apresentações, encenações, algo de jovens, não de eclesiásticos. Complicado? Arriscado? Melhor arriscar do que manipular. A manipulação é descarada demais. A Igreja pode aparecer através da juventude, e não deixar que o clericalismo comande.

b) fazer uma preparação tal nos países e continentes que se discutam, realmente, a situação das juventudes em suas realidades mais diversas e que estas realidades tenham chance de serem visibilizadas. Quantas realidades bonitas e desafiadoras poderiam aparecer... No caso de Madrid, onde estava a realidade juvenil espanhola? Onde a realidade juvenil chilena? Onde a realidade da juventude do Oriente Médio? A preparação de espaços adequados claro que seria possível. Um mesmo espaço poderia servir de apresentação de diversas realidades em tempos diferentes. Há tanto jovem fazendo experiências missionárias... Por que isso não poderia ser socializado, debatido? Por que não ser uma forma de o jovem ser protagonista, também, nestas iniciativas?

c) precisa ser um momento de festa e de retiro. Os dois aspectos são importantes porque onde há juventude há festa. Mas isso não poderia ser vivenciado em momentos especiais? Com iniciativas especiais? Com atitudes especiais? Assim como é possível uma Eucaristia “campal”, porque não um retiro campal? Os espaços “menores” não poderiam servir para isso?

d) que fiquem claro os critérios de escolha dos delegados. Parece algo muito particular, mas a escolha dos “delegados” deveria ser feita com critérios transparentes. Que a Jornada seja, de alguma forma, “representativa” em termos de preocupações, realidades, organizações juvenis. Que os “espaços” já falassem por si: aqui é a realidade juvenil; aqui são os grandes desafios dos jovens; aqui são as experiências de organização; aqui quer-se discutir a força da juventude no mundo; etc.

e) que estejam envolvidas, também, pessoas que pensam realidade juvenil e evangelização juvenil. O estudo da juventude também é uma preocupação dos jovens, com sua história, cultura, apresentações científicas. Isso pode ser feito por jovens e por pessoas que estudam juventude. Por que não poderiam servir “teses”, apresentações, até encenações...

São, enfim, idéias que podem ser sempre melhores... Importante que se fale disso. Uma Igreja se torna mais adulta quando houver mais obediência e menos submissão. Que tal você continuar esta reflexão iniciante? É que a JMJ do Rio de Janeiro deve ser sonhada como um avanço em vista da juventude e em vista daquilo que acreditamos como Igreja. Caso contrário, não será uma graça para ninguém.

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